Os trabalhos a mais são o pesadelo de qualquer dono de obra. O termo remete para o imaginário assustador das derrapagens, desvios, ineficiências ou incompetências. Estamos a gerir mal o dinheiro. Pior ainda – estamos a ser roubados!
Será assim?
Faz sentido esta fobia aos trabalhos a mais?
Creio que não, e vou-vos explicar porquê.
Algumas notas prévias para enquadrar esta análise
Primeira nota: o preço das coisas depende do que elas são.
É uma afirmação básica, mas da qual retiramos tantas ilações valiosas.
Um corolário desta tese é que o que as coisas são depende em parte do que pagamos por elas.
Segunda nota: custo alto ou baixo é diferente de custo certo ou incerto
São duas variáveis diferentes. Se um custo varia podemos dizer que era incerto, mas não é óbvio que signifique que seja alto.
Agora sobre os trabalhos a mais
Os trabalhos a mais são de facto demonizados na indústria, mas a verdade é que dizem pouco sobre a eficiência e eficácia da gestão de custos.
Se durante uma obra detectamos que afinal temos 200m3 de betão e não 180m3, e que teremos de pagar essa diferença, não significa que tivemos um custo adicional desnecessário.
Significa sim que achávamos que a obra iria custar X, e afinal custa mais do que X.
Mas os 20m3 de betão sempre fizeram parte do projeto e são essenciais para a obra. É algo que o cliente vai pagar, mas seria sempre necessário e vai ser produzido.
Se, no início da obra, o mapa considerasse 200m3 de betão, iriamos pagar esses 20m3 na mesma.
O que está em causa é incerteza, não um custo desnecessário. Claro está que a incerteza pode ser um problema por si só, mas não se trata de um sobrecusto.
Por exemplo, um erro de projeto ou alteração que obriga a demolir algo que já estava feito implica claramente um desperdício. Algo que fizemos, pagámos e vamos agora descartar. Isto sim, é um custo desnecessário e que devemos evitar.
Os trabalhos a mais não são maus por si só. Dependem em grande parte daquilo a que dizem respeito e da forma como encaramos a gestão do custo: pretendemos reduzir o custo ou reduzir a incerteza?
O tema dos trabalhos a mais tem assim mais a ver com a incerteza do que com custos desnecessários e má gestão do dinheiro.
Outras variáveis
Importa referir que, para além do custo direto associado, há outras variáveis a ter em linha de conta no impacto dos trabalhos a mais.
Duas se destacam:
Variação de custo – a variação do custo, por si só, pode ser um problema. Um aumento não esperado do valor da obra pode condicionar o investimento, ter impacto no modelo de negócio, etc. Mas isto tem a ver com a gestão da incerteza e contingências, que têm de ser bem geridas num projeto.
Eficiência negocial – por vezes um trabalho a mais acarreta a discussão/negociação de preços novos, que não foram estabelecidos no processo concorrencial de contratação da obra. Pode decorrer daqui que o facto de algo não ter sido considerado de início sair mais caro do que se não tivesse sido esse o caso.
Nota final
O que defendemos neste artigo é que os trabalhos a mais, por si só, não são um problema. Tudo depende da forma como está a ser gerido o custo, da eficiência negocial, do tipo de trabalho a mais e muitas outras variáveis.
A gestão do custo de um projeto não pode ser feita de forma cega, tentando apenas minimizar trabalhos a mais a qualquer custo. É fundamental que a gestão de projeto esteja muito ciente de tudo o que está em causa.