Trabalhos a mais em contratos por Valor Global

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O contrato de empreitada por Valor Global aparenta ser o bastião da boa gestão contratual e da segurança quanto aos trabalhos a mais.

Aparentemente o valor global está fixo e não muda, agora só temos mesmo é de executar a obra.

Mas a realidade é muito volátil, surgem alterações, incompatibilidades e problemas vários que nos obrigam a considerar alterações a esse Valor Global, os infames trabalhos a mais (e a menos, já que aqui estamos).

Importa pois perceber os desafios que um contrato por Valor Global nos coloca no que à gestão dos trabalhos a mais e a menos diz respeito. É isso que exploro neste artigo.

Quão fixo é o valor global?

Para um enquadramento geral do Valor Global, sugerimos a consulta destes artigos:

Assumindo que o leitor já conhece a mecânica geral do contrato por Valor Global e dos Erros e Omissões, sublinhamos apenas que, num contrato por Valor Global apenas haverá variações de preço – trabalhos a mais e a menos – se houver alguma alteração ao projeto. Há ainda o caso particular daqueles trabalhos que seria manifestamente impossível de detetar na fase de orçamentação, mas não é aqui que residem as maiores dificuldades.

Se o projeto altera, pois poderá haver uma variação de preço. Se o projeto não altera, o valor global contratual mantém-se inalterado.

Contudo, na prática as coisas tendem a não ser tão lineares, e discuto isso aqui.

Como se calculam as variações de preço num contrato por Valor Global

Teoricamente, a variação de preço é calculada com base na lista de preços contratual e com o ocasional preço novo a acordar. Medem-se as quantidades da alteração e, voilá, temos um trabalho a mais ou a menos.

Porque insistimos nós no “teoricamente”? Porque na prática surgem inúmeras dificuldades.

Exemplo 1 – Artigo mal medido de origem

Imagine que o mapa de quantidades prevê 20m2 de pavimento em alcatifa a 50€/m2.

Imagine agora que o cliente pretende mudar para madeira, a 100€/m2.

Parece simples, certo? Retiramos 1.000€ (20m2 x 50€/m2) e adicionamos 2.000€ (20m2 x 100€/m2), temos uma maior-valia de 1.000€.

Mas, imagine agora que na verdade não são 20m2 de pavimento, são sim 200m2. Havia um erro de medição que não foi detetado em Erros e Omissões.

Se não alterássemos o projeto, pagaríamos apenas 1.000€ pelos 200m2 de alcatifa, com forte perda do empreiteiro.

Mas, quando alteramos o projeto, como calculamos a variação de preço?

Algumas hipóteses:

  • Retiramos 1.000€ e adicionamos 2.000€ (20m2 x 100€/m2) = trabalho a mais de 1.000€
  • Retiramos 1.000€ e adicionamos 20.000€ (200m2 x 100€/m2) = trabalho a mais de 19.000m2.

E agora? Como saímos daqui?

Se formos para os 19.000€ a mais o empreiteiro recupera de um erro na sua proposta e o cliente acaba por pagar um acréscimo global muito superior ao acréscimo específico do trabalho em causa.

Se ficamos no acréscimo de 1.000m2, o empreiteiro passou a ter um prejuízo muito superior pelo erro da sua proposta. A perda inicial era de 9.000€ (180m2 x 50€/m2) e passou agora a ser de 18.000€ (180m2 x 100€/m2).

Como podemos prosseguir? Onde é que está a justiça da coisa?

Fará sentido que o empreiteiro recupere o seu erro e o cliente perde a margem positiva que tinha nesse artigo?

Não podemos esquecer que, em paralelo, poderá haver artigos que têm a medição mais elevada do que a realidade, e que o empreiteiro aí está em ganho. quase 10 vezes mais por um pavimento que apenas custa o dobro?

Em alternativa, fará sentido que o cliente beneficie do erro inicial do empreiteiro pagando quase 10 vezes menos por um pavimento bastante mais caro?

Estamos no campo do dilema moral, muito difícil de resolver. Se adicionarmos aqui outros fatores, como artigos que têm na origem preços demasiado elevados ou demasiado baixos sobre quantidades já de si erradas, tudo fica muito mais confuso.

Exemplo 2 – Incompatibilidades de projeto

Não é claro até que ponto conseguimos blindar completamente um Valor Global a qualquer variação em obra.

Quando temos incompatibilidades de projeto, tudo fica muito confuso.

Imagine por exemplo que um determinado aparelho de iluminação aparece da seguinte forma no projeto de um hotel:

  • No projeto de arquitetura estão assinaladas 200 unidades na planta de tetos.
  • No projeto de iluminação estão assinalados 100 unidades na planta de iluminação e no Dialux.
  • No projeto de instalações elétricas e esquema de alimentações são considerados 120 unidades.
  • No projeto de interiores não está nenhuma, pois considera outro aparelho diferente.
  • No mapa de quantidades de iluminação estão contabilizados 80 unidades.

Diga lá, se for capaz, quantos aparelhos acha que devem ser instalados pelo empreiteiro e quantos devem ser faturados?

Note que o exemplo pode ser um pouco extremado, mas diferenças entre projetos e mapas de quantidades não são tão incomuns quanto isso, e este dilema é uma constante em obras por Valor Global.

Exemplo 3 – Projeto incoerente

Se num projeto temos uma planta de pormenor de uma casa de banho que não é igual ao que aparece nas plantas gerais e se, em cima disto, temos uma quantificação errada dos revestimentos de pavimentos ou paredes, vamos ter problemas de gestão do preço em obra.

Resumindo e baralhando

Em suma, por muito que gostássemos que um contrato por Valor Global permitisse fixar completamente o preço da obra, não permite.

Em cima disso, por muito que gostássemos que este contrato estabelecesse um conjunto de regras e procedimentos claros e previsíveis para estabelecer o preço de alterações e variações, não estabelece.

Não queremos com isto dizer que o contrato por Valor Global é mau por natureza e não deve ser utilizado.

Longe disso.

O que pretendemos mostrar é que se não houver uma boa gestão do custo de um projeto – no desenho, especificações e quantificação – um contrato por Valor Global serve de pouco, e vai-nos dar uma perigosa falsa sensação de segurança que mais tarde ou mais cedo se vai manifestar contra nós.

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