Modelo contratual por valor global (2)

Modelo Contratual por Valor Global

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Continuando na senda de analisar os vários modelos contratuais utilizados na indústria, falemos agora do Valor Global. Este é talvez o mais comum na indústria, e importa perceber muito bem as linhas gerais do seu funcionamento, quando funciona bem e quando nos pode criar problemas.

Apreciação geral

  • O preço não é tão fechado como se gostaria, por muito forte que seja o contrato.
  • Se o projeto tiver incompatibilidades ou estiver mal definido, o contrato por VG perde muita da sua força.
  • Quando as coisas correm mal, correm mesmo muito mal.
  • Não é bom para gerir alterações.
  • Não é óbvio que a obra fique mais barata.

Como funciona o modelo

A mecânica do modelo é simples:

  1. É apresentado um projeto para os empreiteiros orçamentarem.
  2. Este projeto costuma ser completo e com mapa de quantidades, mas nem sempre isso acontece (caso em que o contrato funciona mal).
  3. O empreiteiro orçamenta a obra com base nesse projeto e apresenta um preço para a totalidade da obra.
  4. Podem ainda ser apresentados Erros e Omissões – uma análise do mapa de quantidades de projeto pelo empreiteiro, em que apresenta correções de quantidades de artigos que constam do mapa de projeto (erros) e artigos que eventualmente não estivessem no mapa de projeto (omissões).
  5. Chegando a acordo sobre o valor global e os Erros e Omissões, fecha-se o Valor Global da obra.

Este valor é fechado para a totalidade da obra e apenas será alterado se houver alterações ao projeto.

Notas sobre o modelo

Quando varia o preço num contrato por Valor Global?

Ao fazer um contrato por Valor Global, o cliente tem de estar ciente que, teoricamente, o preço apenas varia se houver alterações ao projeto. Ênfase no “teoricamente”, abordo mais em baixo a dificuldade em fixar verdadeiramente o Valor Global.

Significa isto que, por exemplo, caso sejam necessárias 10 portas e a lista de preços apenas prevê 8, o empreiteiro terá de fornecer as duas adicionais sem as cobrar ao cliente.

Por outro lado, caso sejam necessárias apenas 10 portas e a lista de preços inclua 12, o cliente terá de pagar as duas adicionais que na verdade não são fornecidas.

Apenas se houver uma alteração ao projeto – por exemplo uma alteração de layout que implique uma alteração na quantidade de portas – haverá um trabalho a mais ou a menos corrigindo essas quantidades.

Repito, pois é importante relembrar, apenas uma alteração ao projeto dá azo a uma alteração de preço (teoricamente, mais uma vez…).

E como se calcula essa variação de preço?

Teoricamente, a variação de preço é calculada com base na lista de preços contratual e com o ocasional preço novo a acordar. Medem-se as quantidades da alteração e voilá, temos um trabalho a mais ou a menos.

Porque insisto eu no “teoricamente”? 

Por várias razões, e apresento algumas neste artigo.

Sobre o grau de definição do projeto

Na Alphalink não nos cansamos de dizer que o preço das coisas depende do que elas são.

Ora se pretendemos que um empreiteiro dê um preço fechado para algo, então tem de estar muito bem ciente do que é aquilo para que está a dar preço. Caso contrário vai assumir pressupostos, margens de risco e contingências, fazendo subir o preço e criando margem para posterior discussão em obra.

Achar que um contrato por Valor Global vai fixar o preço de um objeto que está mal definido é um erro crasso. Se o projeto não está bem definido ou tem problemas de compatibilização, isso vai ser um tema recorrente em obra no que a trabalhos a mais diz respeito.

Um erro comum é achar-se que o contrato por Valor Global é o mais indicado para projetos com algum grau de indefinição e que só se deve aplicar um contrato por Série de Preços se o projeto estiver muito bem definido e detalhado.

Pois deveria ser exatamente ao contrário. Um Valor Global sobre um mau projeto vai sempre dar imensos problemas e dificultar brutalmente a gestão do custo do projeto.

Sobre os Erros e Omissões

O processo de Erros e Omissões é uma etapa fundamental de um contrato por Valor Global. Apenas depois de se fechar o processo de Erros e Omissões – análise pelo empreiteiro, negociação e fecho – podemos dizer que chegámos ao Valor Global.

Já vimos noutro artigo que existem vários temas a debater no que a Erros e Omissões diz respeito. Não os vou repetir aqui.

Importa, no entanto, referir o momento em que acontece este processo.

Uma prática comum até há 10 ou 15 anos era contratar o empreiteiro com base na proposta sobre o mapa de quantidades de projeto. Depois de assinado o contrato, o Empreiteiro teria um ou dois meses para analisar o projeto e apresentar a sua reclamação de Erros e Omissões. Isso era prática comum tanto na contratação pública (DL 59/99 e, antes disso, DL 405/93) como em obras particulares.

Com a crise de 2008, que abalou fortemente a indústria da construção, e com o Código da Contratação Pública (DL 18/2008) passou a ser comum exigir-se aos empreiteiros que apresentassem a análise de Erros e Omissões ainda durante a fase de elaboração da proposta.

Confesso que acho demasiado forte exigir a um empreiteiro que orçamente uma obra e analise de forma detalhada todo o projeto em 30 ou 45 dias a ponto de se comprometer com todo o articulado e valor global. 

Convenhamos que achar que alguma entidade consegue encontrar em 30 dias os Erros e Omissões que toda uma equipa de projeto, que trabalhou nesse processo durante meses, terá deixado passar, não é razoável. Tudo isto enquanto orçamenta e negoceia uma obra, em clima comercial e concorrencial.

Constata-se ainda que a forma como os empreiteiros se dedicam a estes processos – análise de Erros e Omissões durante a fase comercial – varia consoante a atividade geral da indústria. Nos idos de 2011 a 2015 sentia-se uma forte necessidade de trabalho por parte das construtoras, que se dedicavam com afinco a tudo o que o cliente pedisse para ganhar uma obra. À medida que a indústria vai aquecendo, começa a ser muito comum os empreiteiros apresentarem propostas referindo que não tiveram tempo de analisar Erros e Omissões e que se propõem a fazê-lo após a contratação.

E quando há um erro mesmo grande que não foi detetado?

Pode acontecer o empreiteiro não detetar um erro ou omissão enorme, que represente centenas de milhares de euros.

Seguindo a regra contratual, apenas quando há alterações de projeto há alteração de preço, pelo que mesmo um erro muito grande teria de ser assumido pelo empreiteiro.

Acontece que quando isso acontece, e já aconteceu comigo, o desiquilíbrio é tal que até o cliente mais empedernido se sente compelido a negociar. Ninguém se sente bem sabendo que está a beneficiar centenas de milhares de euros às custas de um erro de aritmética de alguém, por muito que o contrato diga isso mesmo.

O contrato por Valor Global até protege o cliente das pequenas oscilações do preço da obra, mas quando a pancada é brutal, acabamos sempre sentados à mesa de negociações a repensar o equilíbrio financeiro do contrato. 

Podemos assumir uma postura mais inflexível e não aceitar qualquer acerto a que não sejamos contratualmente obrigados, mas não deixa de ficar uma nuvem negra de tensão e gestão contratual em cima de uma obra, que mais tarde ou mais cedo se vai fazer sentir e afetar o projeto de forma mais tangível. Afinal de contas, precisamos do empreiteiro do nosso lado, para acomodar alterações, para resolver problemas e para fazer a obra.

Considerações finais

Podemos achar que um contrato por Valor Global vai fixar o preço, mas como já vimos, por tudo o que foi dito, isso só acontece se tiver por base um bom projeto, bem definido e compatibilizado.

Mas a verdade é que um bom projeto, bem definido e compatibilizado, resulta num preço relativamente estável seja qual for o modelo contratual. 

Ou seja, não é o contrato de empreitada que vai fixar o preço, é sim um bom projeto.

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